FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
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terça-feira, 30 de março de 2010

JORNALISTA RELATA O DRAMA DAS MILITARES AMERICANAS ESTUPRADAS


A guerra é uma estupidez sem tamanho de qualquer forma. Não bastasse o medo, a insegurança e a pressão psicológica que desequilibra soldados no campo de batalha têm, no caso das militares (mulheres), o assédio sexual, o ataque e o estupro que martiriza. Fato esse que dificilmente vem a público. Não é do interesse do governo que a população saiba o terror vivido por suas heroínas em campos de guerra. Enquanto isso, um número cada vez maior de mulheres sofre o mais hediondo dos crimes: o amor roubado pela violência física.

Já lhe roubaram alguma coisa? Um carro, a casa, o celular, a carteira... Façamos uma idéia do que é ser vítima de roubo da própria dignidade (uma das poucas coisas que fazem a diferença entre o homem e o resto dos seres vivos). A intimidade violada, me parece, é algo estarrecedor, principalmente quando a violação vem de pessoas que estão acima das vítimas seja pelo cargo, pela força ou por qualquer quesito que sirva como base de comparação entre os dois sexos.

Helen Benedict conheceu inúmeras histórias de mulheres nessa situação e resolveu trazer o silencioso drama que infestam tantos espíritos pelo mundo a fora. A matéria vem assinada por José Antônio Lima, que entrevistou Benedict e foi publicada no globo.com (02/05). Leia a entrevista e faça seu próprio julgamento.

O drama da violência sexual na guerra


Em novo livro, a jornalista Helen Benedict descreve a experiência das militares americanas que são violentadas pelos próprios companheiros no front. Cerca de 30% são estupradas durante o serviço militar

A ocupação americana no Iraque chegou a ter, no auge, mais de 150 mil soldados. Desde 2003, quando George W. Bush ordenou a invasão, o rodízio de tropas levou 206 mil mulheres para o país. Dessas, apenas 600 foram feridas e 104, mortas, mas muitas sofreram com um outro tipo de violência, quase imperceptível para o público, mas traumática para quem sofre - a violência sexual. O drama de ir para a guerra e ser violentada pelos próprios colegas e superiores nas Forças Armadas está detalhado no livro The Lonely Soldier: The Private War of Women Serving in Iraq (em tradução livre A soldado solitária: a luta particular das mulheres servindo no Iraque), de Helen Benedict, professora de jornalismo na Universidade Columbia, dos Estados Unidos.

Em entrevista a ÉPOCA, Helen conta que, das 40 mulheres que ela entrevistou, 28 foram assediadas, atacadas de alguma forma sexual ou estupradas por colegas. Os números refletem estudos oficiais realizados nos Estados Unidos, que mostram que 90% das militares sofrem assédio sexual em algum momento da carreira, e 30% são estupradas.



ÉPOCA - Quando a senhora começou a se interessar pela situação das mulheres militares?

Helen Benedict - Eu comecei a estudar o assunto em 2006, quando fui a um encontro de veteranos do Iraque. Encontrei duas garotas e uma delas me disse que só havia três coisas que os homens permitiam que as mulheres fossem: "uma vadia, uma prostituta ou uma lésbica". Nessa conversa, vi que as mulheres enfrentavam duas guerras, uma com os inimigos e outra contra a discriminação dos próprios companheiros.


ÉPOCA - Quantas mulheres a senhora entrevistou para escrever o livro?

Helen - Foram 40 mulheres que serviram no Iraque e no Afeganistão e alguns homens e mulheres que estiveram em outros lugares. Todas as entrevistadas eram veteranas, então estavam mais livres para falar. Eu as encontrei por meio de organizações de veteranos. Das 40 mulheres, 28 foram assediadas, atacadas de alguma forma ou estupradas.


ÉPOCA - E qual é o tipo de violência mais comum?

Helen - É o assédio sexual, que não envolve violência física, mas é muito traumático. As mulheres ficam sujeitas a comentários humilhantes que as fazem se sentir ameaçadas e degradadas. Estudos realizados pelo Departamento de Assuntos de Veteranos mostram que 90% mulheres são assediadas, 71% são atacadas e 30% são estupradas durante o serviço militar. Outros estudos mostram que apenas o assédio, sozinho, pode causar tantos traumas quanto o combate, ou até mais.


ÉPOCA - E essa violência é causada por superiores ou por militares do mesmo escalão?

Helen - A maioria dos homens que as atacam são mais velhos e de uma hierarquia mais alta. Os estupros costumam ocorrer quando não há ninguém por perto, ou quando as mulheres vão tomar banho ou ao banheiro. É por isso que muitas vão a esses locais com outras mulheres e andam com facas.



ÉPOCA - O que a senhora ouviu de mais perturbador nas entrevistas?

Helen - Os casos nos quais as mulheres tentam denunciar um ataque e são ameaçadas com um tipo diferente de punição para que se calem. Uma das mulheres que eu entrevistei foi estuprada no Afeganistão. Quando ela denunciou o caso, seu superior disse: "também vamos ter que denunciar você por abandono de trabalho, por estar sem a arma na hora do ataque". Essa denúncia a levaria para a Corte Marcial e para fora da Força Aérea. Como isso acabaria com sua carreira, ela desistiu da denúncia. Há ainda casos de mulheres que se recusaram a ser enviadas para os mesmos locais com determinados oficiais que as estupraram e, em vez de denunciarem os estupradores, processaram as mulheres por deserção. Uma delas acabou presa por um mês.


ÉPOCA - A senhora citou em um artigo no site da [emissora de TV britânica] BBC uma proibição de que as militares americanas entrem em combate. Como isso influencia a situação delas?

Helen - As mulheres não têm permissão para entrar diretamente em combate no Exército, na Marinha e na Força Aérea. Isso passa a mensagem, vinda do topo da hierarquia, o Pentágono, de que elas são soldados de segunda classe. Isso torna ainda mais difícil a possibilidade de as mulheres conseguirem promoções e respeito, pois estão proibidas de fazer a principal coisa que os soldados devem fazer, que é lutar. E isso é especialmente irônico no Iraque, pois lá os EUA enfrentam uma guerra de guerrilha, e as mulheres estão, sim, no front, perdendo suas vidas.


ÉPOCA - As mulheres não são bem-vindas nas Forças Armadas dos Estados Unidos ou essa situação de violência é reflexo do que existe na sociedade civil?

Helen - Não dá para afirmar que elas não são bem-vindas. Essa seria uma generalização muito grande, pois isso é verdade para muitos homens, mas não para todos. O problema de os homens fecharem as portas das principais posições para as mulheres certamente tem origem na vida civil, mas na vida militar isso é exacerbado, pois lá as pessoas têm muito mais poder sobre as outras. Os oficiais têm controle completo sobre você, muito mais do que em uma profissão civil. Além disso, o soldado é treinado para ser um assassino, e tudo é mais violento, mais intenso. Quando a pessoa está servindo, não dá para simplesmente ir para casa no fim do dia.


ÉPOCA - E o que o Departamento de Defesa está fazendo para resolver esse problema?

Helen - Em 2005 foi criado o Programa de Prevenção e Resposta a Ataques Sexuais, que tem computado as denúncias feitas, mas a estimativa deste programa é de que apenas 10% dos casos sejam informados. Esse programa criou um sistema de treinamento preventivo pelo qual todo novo recruta deve passar, mas esses esforços parecem ser mais propaganda do que uma iniciativa que faça diferença.



ÉPOCA - Os pelotões de 50 ou 60 soldados costumam ter uma ou duas mulheres. Criar um pelotão só de mulheres seria uma solução?

Helen - Algumas pessoas pensam que seria uma boa ideia, mas a minha preocupação é que isso faça as mulheres parecerem ainda mais soldados de segunda classe. Provavelmente passariam para esses pelotões femininos tarefas mais leves e menos importantes, e elas continuariam segregadas. Na Segunda Guerra Mundial e na Guerra do Vietnã era isso o que acontecia. Elas formavam um núcleo auxiliar, e nem podiam carregar armas. Não eram levadas a sério. A criação de pelotões femininos seria um passo para trás, pois ainda que as mulheres estivessem mais seguras contra esses ataques sexuais, não teriam chance de avançar na carreira.



ÉPOCA - A senhora acha que o povo americano percebe esse problema?

Helen - Não. Todas as vezes em que isso [ataques sexuais] ocorre e é divulgado na imprensa, as pessoas acham que é a primeira vez. Isso fica claro agora com o número de alistamentos recentes, que tem crescido entre as mulheres na crise econômica. Ou elas não conhecem essa situação ou pensam que "isso só acontece com quem pede, não vai acontecer comigo". Elas não têm uma idéia realista, e entram nas Forças Armadas de forma ingênua e despreparada. Quando eu digo que 10% dos soldados são mulheres, elas ficam espantadas, e parte disso é culpa da imprensa, que não as destaca nas manchetes e primeiras páginas.



ÉPOCA - Por que a imprensa não dá a importância devida à participação das mulheres nas ocupações?

Helen - Eles estão presos no conceito antigo de que o soldado é um homem. Além disso, a imprensa está sempre focada na infantaria, que historicamente é onde a ação está. Isso passa ao público a impressão de que mesmo que as mulheres estejam lá, elas estão na retaguarda, escrevendo cartas. Mas, como eu disse, no Iraque não há linha de frente, e todos estão lutando. As pessoas não sabem que as mulheres estão no meio do confronto, morrendo e sendo mutiladas assim como os homens.


Fonte
Transcrito de http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI70765-15228,00-O+DRAMA+DA+VIOLENCIA+SEXUAL+NA+GUERRA.html

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