FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A JORNALISTA CHILENA PATRICIA POLITZER FALA SOBRE O PRECONCEITO E A CULTURA PATRIARCAL NO LIVRO:BACHELET EN TIERRA DE HOMBRES


Biógrafa da ex-presidente Michelle Bachelet diz que mulheres são mais cobradas no poder.Todos deveriam ler este livro.

A trajetória no poder da ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, descrita no livro "Bachelet en Tierra de Hombres", da jornalista chilena Patricia Politzer - livro de cabeceira da presidente Dilma Rousseff -, é uma espécie de biografia não oficial repleta de situações complicadas: dois terremotos, implementação de projetos impopulares, a fragmentação da base de apoio político, uma crise econômica internacional e até a erupção de um vulcão, bem como desencontros amorosos e problemas de família. Mas os trechos mais interessantes do livro são os que dizem respeito ao enorme preconceito enfrentado por uma mulher no comando de um país latino-americano com sua cultura machista e patriarcal.

Nessa seara, Dilma Rousseff terá uma aula e tanto sobre machismo no poder. Vai perceber que, se Bachelet trabalhava demais e pedia mais trabalho à equipe, não era considerada disciplinada. Era "workaholic, pouco eficiente e má". Se falava diretamente e com franqueza, não era um sinal de transparência, mas de "soberba e conflito na equipe". Patricia Politzer, ex-diretora da Secretaria de Comunicação e Cultura do Chile e ex-presidente do Conselho Nacional de Televisão chileno, acredita que os preconceitos enfrentados por Bachelet não serão muito diferentes dos que esperam Dilma no Palácio do Planalto. "Foi uma magnífica surpresa saber que a presidente Dilma está lendo meu livro. Sinto-me muito honrada", afirmou.



Quando e por que você decidiu pesquisar e escrever um livro contando a história de Michelle Bachelet?

PATRICIA POLITZER: Estive fora do Chile durante os primeiros seis meses do governo Bachelet. Quando voltei, me impressionei com a forma como a maltratavam. Isso vinha tanto de seus adversários políticos como de dirigentes de sua própria coalizão. Como jornalista e observadora da política chilena desde a década de 1970, nunca vi um tratamento tão absurdo e preconceituoso. Pareceu-me indispensável deixar um testemunho de seu governo quando os fatos ainda estavam frescos. Em minha pesquisa, fui descobrindo que existia um denominador comum que cruzava praticamente todos os temas: uma cultura patriarcal que carregamos grudada na pele tanto de homens quanto de mulheres.

A presidente conversou com a senhora para o livro?

PATRICIA: Eu pedi uma entrevista mas ela nunca me concedeu. Não sei se teve tempo de ler o livro.

Como foi o preconceito contra Bachelet? Você acha que esta é uma característica de sociedades machistas latino-americanas?

PATRICIA: Os preconceitos contra ela - e contra as ministras mulheres de seu governo - foram explícitos e implícitos. No dia em que assumiu, uma crônica no jornal "El Mercurio", o mais antigo do país, criticava acidamente sua ministra da Saúde, Soledad Barría, por não ter pintado seus cabelos brancos para a cerimônia! Suas atuações políticas eram analisadas sempre de uma perspectiva pessoal. Bachelet não cometia um erro, nem tomava uma decisão ruim. Simplesmente não servia, não sabia governar, não "tinha estatura". Durante três dos quatro anos de seu governo disseram que uma mulher jamais voltaria a governar o país. Os homens nunca sofrem uma crítica dessa natureza, nem quando algum político se mostra incompetente, corrupto ou um ditador. Esta visão foi compartilhada por seus adversários e aliados. O machismo segue forte em nossas sociedades de tal forma que o êxito das mulheres raras vezes se atribui a seu preparo ou a seus atributos. Busca-se insistentemente um homem, que geralmente é o responsável por suas ascensão e que a manipula para que seja bem sucedida. Bachelet cuidou conscientemente de não ter nenhum homem poderoso próximo do círculo do poder.

Você acredita que Dilma Rousseff vai enfrentar o mesmo nível de preconceito?

PATRICIA: Suspeito que, neste terreno, haverá dificuldades parecidas. Dilma Rousseff está à sombra de um presidente muito bem sucedido e popular, como é Lula, assim como Bachelet esteve próxima de Ricardo Lagos. Terá que ser muito forte para suportar preconceitos e críticas que só se fundamentam no fato de ela ser mulher.

Por que a política, no Chile, na sua opinião, é uma "tierra de hombres"?

PATRICIA: O poder, em qualquer de suas formas, continua sendo terra de homens. São poucas as mulheres no Parlamento, nas diretorias das empresas, nos altos cargos acadêmicos. Em qualquer círculo de poder, para que entre uma mulher deve sair um homem, e isso não é fácil. Michelle Bachelet abriu uma porta impensável há apenas dez anos. As chilenas já sabem que podemos chegar ao posto mais alto. Mas estamos muito longe da igualdade de gêneros.

Bachelet colocou em execução algum programa de valorização, profissionalização ou proteção à mulher?

PATRICIA: Bachelet esteve à frente de várias leis relacionadas à mulher, como o estabelecimento de igualdade de salários e a criminalização da violência contra a mulher, lei inclusive promulgada pelo presidente Sebastián Piñera. Mas a violência e a discriminação continuam.

O rigor de Michelle Bachelet com abusos na ditadura militar no Chile e agora os gestos de Dilma Rousseff na direção da apuração de culpados no Brasil têm relação (vítimas de tortura e perdas) com o fato de serem mulheres em "tierra de hombres"?

PATRICIA: Este rigor transcende a questão do gênero. As violações aos direitos humanos continuam sendo uma ferida aberta para muitos cidadãos da América Latina. Ambas são parte dessa história dolorosa, e sua chegada ao poder constitui uma forma de reparação para milhares de vítimas. Diante dessa perspectiva, milhões de democratas esperam delas essa atitude.

Fonte: O Globo

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